"Não murmureis de que eu sonhe"...
"Dizem que as plantas não falam, nem as fontes, nem os pássaros,
Nem a ondas com seus rumores, nem com seu brilho os astros.
Dizem; mas não é verdade, pois que sempre, quando eu passo, de mim murmuram e exclamam:
- Lá vai a louca, sonhando
Com a eterna primavera da existência e dos campos,
E já bem cedo, não tarda, terá os cabelos brancos,
E vê tremendo, aterrada, cobrir a geada o prado.
- Há brancas no meu cabelo, caiu nos prados a geada;
mas continuo sonhando, pobre, incurável, sonâmbula,
com a eterna primavera desta vida que se apaga,
com a perene frescura das campinas e das almas,
mesmo quando aquelas secam e quando estas se abrasam.
Astros e fontes e flores! Não murmureis de que eu sonhe.
Sem sonhos, como admirar-vos? Como, sem eles, viver?"
Rosalía de Castro (1837-1885)Mesa de amigos
(versão de Pedro da Silveira)